Este texto é uma reflexão que começou a se desenvolver há cerca de uma década. Estava em uma reunião no Fórum sobre o PSC (Prestação de Serviço Comunitário) e escutei uma frase que me impactou. Um advogado relatou que em uma de suas primeiras aulas de direito penal escutou do professor a seguinte frase: “Nenhum de nós pode afirmar que nunca matará!” O contexto da frase era que precisávamos pensar na conjuntura em que as coisas acontecem, e neste sentido a justiça, o direito a ampla defesa e o contraditório são fundamentais. No caso, estávamos tratando de como deveríamos lidar com as pessoas que estão prestando serviços em nossas instituições, pessoas que haviam cometidos delitos, por isso tiveram suas penas revertidas em prestação de serviço comunitário. Devemos tratá-los como criminosos? Devemos tratá-los com respeito? Devemos lhe proporcionar a chance de cumprirem suas penas e seguirem suas vidas? Eram questões que nos eram propostas no momento.
Mas aquela frase ficou em minha memória. Pensava nela o tempo todo, me perguntava: Seria eu capaz de matar alguém? levando-me a questionar minha própria capacidade de reação em situações extremas.
Recordei-me de uma vez, quando a Renata tinha, aproximadamente, uns sete anos e fui com ela no mercado em frente ao condomínio onde moro, eu a pé e ela em sua bicicleta cor de rosa. Em frente ao mercado há uma sinaleira de pedestres, paramos, aguardamos o sinal fechar e quando atravessávamos, um motociclista veio em meio aos carros e passou o sinal vermelho em alta velocidade. No reflexo eu consegui segurá-la e a moto passou “raspando”. Meu coração acelerou de uma forma que por alguns minutos o tempo parou. Lembro de ver a imagem do cara atropelando minha filha (Aqueles Flashbacks de filme que ficamos imaginando as versões do que poderia acontecer) e acreditem, só me imaginava pegando o cara e batendo com a cabeça dele contra o asfalto, eu tentava de todas as formas imaginar outras versões de como eu reagiria caso ele a tivesse atropelado, mas a única variação era se socorria ela primeiro ou depois de dar cabo do sujeito.
Na Série "Os Outros" Marcinho (personagem de Antônio Haddad), portando a arma de sua mãe, resolve enfrentar Rogério (personagem de Paulo Mendes) para dar um fim as perseguições e agressões que sofre.
Imagem: Reprodução Globoplay
Aquela sensação me perseguiu por muito tempo, e no dia desse encontro, mais de 10 anos depois, ela me veio à memória com a seguinte pergunta: Como gostaria que as pessoas me tratassem caso aquela “imaginação” tivesse se tornado realidade? Seria eu um criminoso impiedoso? Sei que uns achariam minha reação natural, e até fariam o mesmo se estivessem no meu lugar. Outros, principalmente os familiares e amigos do motoqueiro, achariam que minha reação foi exagerada, e que não deveria ter dado fim a ele por uma imprudência no trânsito, pois afinal, ele não queria atropelar ninguém, muito menos minha filha. Grande dilema.
Tempos depois li a entrevista do pai do estudante Ronei Wilson Jurkfitz Faleiro Júnior, 17 anos, morto após ser agredido por um grupo ao sair do Clube Tiradentes, em Charqueadas e fiquei refletindo sobre o que faria no lugar dele, que reparação pode ser feita a essa família? Casos como esses acontecem todos os dias, recentemente o país se comoveu com a morte de um adolescente de 13 anos agredido na escola em Praia Grande/SP e diariamente jovens, crianças e adultos, perdem suas vidas, vítimas das mais diversas formas de violência (latrocínios, brigas, linchamentos, crimes de trânsito, crimes passionais...), cometidas por pessoas de todas as idades, sexo, classes sociais, pois, como diz a frase que dá título a esse texto: Alguém pode afirmar que nunca matará?
Diante disto é preciso refletir sobre o significado da palavra Justiça. Como ela seria? O que realmente significa? A justiça é capaz de reparar a perda de uma vida? O conceito de justiça é igual para todos? É possível uma Justiça justa? É possível tratar iguais os desiguais? Muitas são as perguntas, e poucas as respostas, confesso que esse dilema me persegue. Qual seria o real sentido da justiça e como ela acontece? Qual justiça é capaz de aplacar o desejo de se fazer justiça com as próprias mãos?
O que me levou a publicar essa reflexão guardada há tanto tempo foram alguns acontecimentos recentes, que me trouxeram todo aquele sentimento vivido há cerca de 20 anos. Primeiro me impactei com a série “Os outros” onde uma verdadeira “guerra” entre vizinhos é travada a partir da agressão do jovem Rogério (Paulo Mendes) e Marcinho (Antonio Haddad) com uma sequência de acontecimentos inacreditáveis. Paralelo a isso, o caso do jovem Fernando Sastre que, conduzindo um Porsche, causou a morte do motorista de aplicativo Ornaldo da Silva Viana, desencadeando uma série de situações protagonizadas por sua mãe Daniela, na tentativa de livrá-lo da responsabilidade por seus atos, gerando um debate sobre o tratamento diferenciado que é dado pelo aparato público (polícias e judiciário) a pessoas com dinheiro.
Na estreia da temporada de “Papo de Segunda” no canal GNT, assisti o estreante no programa Eduardo Sterblitch comentar a sua reação após ter o celular roubado na entrada de um hotel em São Paulo. Eduardo diz que ficou com uma raiva que nem sabia que existia dentro dele: “Acho que, se ele tivesse caído, eu teria ido pra cima, agredido”. Mesmo dizendo que nunca usou violência, disse que ficou pensando o que faria se tivesse um revólver ali.
Na segunda temporada da série "Justiça" a personagem Geiza, interpretada por Belize Pombal, é condenada por matar um traficante que tentava matar sua filha, em um caso clássico de legítima defesa, porém, uma série de fatores fizeram com que a situação não acontecesse como deveria. Porque será?
Imagem: Globo/Estevam Avellar
Essas situações, combinadas com o início da segunda temporada da Série "Justiça", onde alguns destes temas que nos inquietam e incomodam são retratados, gerando muitas reflexões em todos nós, me trouxeram esse sentimento de questionamento sobre o limite da ira humana, do que somos capazes de fazer para nos defender e defender àqueles que amamos.
Penso que ideal mesmo é que as pessoas não fossem capazes de atentar contra a vida de seu semelhante, que não cometêssemos imprudências no trânsito, como beber e dirigir, andar eu alta velocidade, que vivêssemos em harmonia, não ocorresse nenhum tipo de violência, não houvessem guerras, que nossa capacidade de encontrar sentimentos ruins, que não sabíamos existir dentro de nós, nunca fosse despertada e que pais não precisassem enterrar seus filhos.
Enquanto aspiramos por esse ideal, devemos nos perguntar o que podemos fazer no presente. Podemos promover a conscientização sobre os perigos do comportamento imprudente, buscar soluções pacíficas para resolver conflitos e apoiar medidas que promovam a segurança e a justiça para todos. Somente assim poderemos nos aproximar do mundo que almejamos, onde a paz e o respeito pela vida prevalecem.
E você o que pensa sobre o assunto?
Primeiro quero te parabenizar por toda reflexão, embora seja um tema muito delicado precisamos entender que fica fácil fazermos julgamento em que ficamos cheios de verdades esquecendo que todos temos um lado sombra na nossa personalidade. Claro que seria muito bom que todos pudessem desenvolver o autoconhecimento proporcionando maiores possibilidades de uma administração dos nossos sentimentos com maior equilíbrio que não nos impossibilita de sentir, mas talvez de não reagir aos impulsos. Mas poderíamos ficar horas dialogando sobre o assunto.😘
Triste realidade nos dias atuais 🥲
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Então, ódios, violências, vinganças, crueldades, são males humanamente atávicos e desde que temos alguma consciência de que vivemos em grupos nos deparamos com episódios que nos aterrorizam. As vivências traumaticas, violentas que podem despertar a desistência da vida. QUEM SOMOS REALMENTE? animais iinstintivos reagindo naturalmente ou humanos espirituais agindo. racionalmente? Somos animais humanos vivendo em grupos de seres vivos distintos entre si. Entre os que promovem a vida e também, os que convivem com a morte. Os que querem viver e os que querem morrer. Os mecanismos de controles civilizatorios não superam a natureza humana. Trabalhos educativos não servem para todos porque as aspirações singulares assim como, as circunstâncias distintas determinam as vidas e mortes humanas. Eu respondo por mim…
Serginho, tu sempre nos convida a reflexão. Todos somos capazes de atrocidades. A realidade atual é constituída por uma sociedade capitalista, dominadora, imperativa e violenta. Uma sociedade que, apesar do esforço e resistência de alguns, não promove a justiça social e igualitária. Nesse contexto, temos a tendência de cada vez mais sermos intolerantes e respondermos com violência.
A arte reflete a realidade.
Cabe a cada um aprender a controlar e compreender seus impulsos, torcendo para não enfrentarmos situação extremas.