Para escrever esse texto, usei como fonte basicamente o portal 247 e similares, todos considerados “veículos de esquerda”. Fiz isso para evitar ser acusado de usar os sites “mentirosos de direita”, pois segundo alguns grupos de esquerda, os sites de direita só publicam mentiras e os de esquerda só verdades. Como minha militância política sempre se deu no campo da esquerda, vou usar a “verdade” como fonte.
Até poucos dias atrás o historiador e professor Leandro Karnal era considerado como um dos principais “intelectuais de esquerda” do país, como reconhece o site ceticismo político na seguinte declaração sobre ele: “Junto com Clovis de Barros Filho e Mário Cortella, Karnal é parte do principal trio da propaganda da extrema-esquerda hoje. Dos três, Karnal se destaca por ser o mais hábil no jogo do isentão e por ter uma legião motivada de adoradores (como se fossem parte de um culto). O jogo do isentão praticado por Karnal seduziu até algumas pessoas de direita.”
Então eis que Karnal resolve publicar uma foto sua com os juízes Sérgio Moro e Furlan em seu perfil no Facebook, no dia 10 de março de 2017, com a seguinte legenda: “Dia intenso em Curitiba. Encerro com um jantar com dois bons amigos: juiz Furlan e juiz Sergio Moro. Talvez não faça sentido para alguns. O mundo não é linear . A noite e os vinhos foram ótimos. Amo ouvir gente inteligente. Discutimos possibilidades de projetos em comum.” (A foto já foi retirada de seu perfil, e agora a pouco ele publicou um esclarecimento sobre o assunto https://goo.gl/BKcXbW).
No dia 27 de Janeiro de 2017 foi publicada no site da BBC, versão em português, uma entrevista com Leandro Karnal, concedida a jornalista Neli Pereira, onde o título destacava a seguinte frase: Graças à internet, ‘facilitamos muito para quem odeia’, diz Leandro Karnal. Entre outras declarações ele afirmava que “…Antes era preciso ler livros para criar estes ódios. Mesmo para um homem médio da década de 1930, ele precisava comprar o Mein Kampf de Hitler e percorrer suas páginas mal redigidas. Ao final, seus vagos temores antissemitas era embasados numa nova literatura com exemplos e que fazia sentido no seu universo. Mesmo assim, havia um custo: um livro. Hoje é um clique e um site, com muitas imagens. Facilitamos muito para quem odeia. O ódio tem imenso poder retórico. Ele sempre existiu. Agora, existe este ódio prêt-à-porter, pronto, onde você se serve à la carte e pega seu prato preferido”, disse ele à BBC Brasil. Recomendo a leitura da entrevista na íntegra https://goo.gl/7dnL36.
Desde o dia da publicação da fatídica foto com Sérgio Moro, Karnal vem sofrendo uma onda de declarações que passaram a desacreditar suas palavras, e de intelectual, passou a pseudo-intelectual, e até de picareta o chamam. Separei algumas das declarações sobre ele, todas retiradas de sites a partir de uma busca que fiz no Brasil 247.
Pois Leandro Karnal está sendo vítima do “ódio” a que ele se referia na entrevista a BBC, algo que ele já estava, de certa forma, acostumado, pois suas declarações geravam manifestações de ódio das pessoas de “direita”, pois era, até então, considerado um intelectual de “esquerda”, cujo alguns setores agora o abominam e tentam desqualificá-lo, pois como vão explicar que ele, o até então “ídolo”, anda de “braço dado” com o “arquirrival”, o “anticristo” da esquerda brasileira.
Karnal agora está órfão, ninguém quer ser “pai da criança”, os sites de esquerda teriam de apagar as dezenas de postagens e manifestações elogiosas que veem fazendo a ele há tanto tempo, e os de direita as dezenas de páginas que o demonizavam desde que ele se transformou em um dos intelectuais mais pop’s do país. Para não ter que fazer isso, o caminho mais fácil é dizer: Eu já sabia! Ele nunca me enganou! Ou outras declarações mais ácidas como as que reproduzi acima. Sinceramente não sei o que esperavam dele, que ele só conversasse, só se reunisse, com pessoas que pensam igual e ele?
Agora devemos construir um muro ideológico onde de um lado deverão ficar as pessoas que se consideram de esquerda e do outro às de direita, e nenhuma poderá falar com a outra?
O mundo já não fez isso uma vez, já não separou famílias, amigos, países?
Quem decidirá de que lado cada um de nós ficará do muro?
Qual a régua que medirá o tamanho de nossa ideologia e determinará o grau hierárquico de cada um?
O que aconteceu com Karnal é fruto da nossa “esquizofrenia coletiva” que exige que alguém, para ser bom, deve pensar como nós pensamos, tem que ser a representação perfeita de nossas ideias, não pode ter contradições e divergências. Nossos ídolos têm de ser exatamente como queremos que eles sejam, caso contrário, transitaremos de um sentimento de grande amor para um intenso “ódio”, e aquele que antes gozava de nossa admiração provará de nossa cólera.
A sociedade que vivemos é uma sociedade intolerante, que vive movida por uma permanente “alucinação” que divide tudo de forma maniqueísta entre bem e mal, sendo que o bem é sempre o eu, e o mal o outro que discorda ou simplesmente não pensa como nós.
Hoje foi o Leandro Karnal a vítima deste nosso pensamento “esquizofrênico”, ontem foram uma série de outras pessoas, amanhã poderei ser eu ou você. O fato é que, independente do que as pessoas pensam, a minha “esquizofrenia” pessoal diz que não devo me deixar influenciar por essa bipolaridade fundamentalista que povoa a política brasileira, pois para mim mais importa a “mensagem” e menos o “mensageiro”.
Eu me dou o direito de concordar com uma ideia, que considero fazer sentido, independente de quem seja seu autor, pois para que haja diálogo e entendimento é preciso que sejamos capazes de ver sabedoria no outro e não apenas em nós mesmos, pois como dizia Paulo Freire: “Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre.”
Atualização agosto de 2020: Esse texto foi publicado em 2017, quando Sérgio Moro ainda era juiz federal e Jair Bolsonaro ainda não tinha sido eleito presidente do Brasil. Moro ainda não havia renunciado a magistratura para assumir o Ministério da Justiça do governo Bolsonaro.
Em 2018, eleito presidente, Jair Bolsonaro anunciou Sérgio Moro para o Ministério da Justiça e Segurança Pública, função que ocupou até março de 2020 quando renunciou por discordar da troca do Diretor-geral da Polícia Federal.
Após sua renúncia, Sérgio Moro viveu algo parecido com o que viveu Karnal em 2017. Passou a ser atacado pela direita que antes o exaltava como herói, assim, viveu, às avessas, o que viveu Leandro Karnal quando postou uma foto juntos.
*Publicação original do site Glasnost
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