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  • Foto do escritorSerginho Neglia

Marx, Capitalismo e a madrasta do menino Bernardo

Atualizado: 28 de nov. de 2020

Dois acontecimentos na faculdade me motivaram a escrever esse texto. O primeiro o comentário de uma colega dia destes na aula de sociologia, foi algo mais ou menos assim: “Professora, eu li sobre o Marxismo e não achei nada encantador, legal e romântico como a senhora falou”. O outro fato, também sobre o Marxismo, foi postado por outro colega em nosso grupo no Face, nele uma pessoa dizia se orgulhar de ter desistido da ideia de fazer história e optado pela publicidade, pois na história só tem marxista, gente ultrapassada e etc.


Ambos os fatos me fizeram refletir sobre o assunto, ainda mais neste ano, em que teremos eleições e volta e meia os xingamentos de “comunistas” voltam a pauta, assim como se fosse feio ser marxista, e que devêssemos ter vergonha disso. Outro dia uma colega me perguntou se não tinha vergonha de usar a imagem do Che em minha camiseta (Tenho uma camiseta com meu nome e em uma das mangas a imagem do Che e a outra do Brizola, nas costas a logomarca do meu partido, o PSB).

Não é minha intenção dar uma aula sobre marxismo, até porque não sou capacitado para isso, muito menos fazer uma defesa dele, pura e simplesmente, porque a visão e o encantamento, ou não, em relação a teoria marxista depende muito da visão de mundo da pessoa, assim como tudo na vida, as teorias e os acontecimentos que nos cativam estão diretamente interligados a forma com que enxergamos o mundo a nossa volta.


Como posso crer, por exemplo, que a madrasta do menino Bernardo, que provavelmente tenha o assassinado para não ter de dividir a herança com ele, e sua amiga que se dispôs a participar deste crime hediondo em troca de uma ajuda financeira para pagar seu apartamento, possam se encantar com a teoria marxista?


Na aula de história antiga, olhávamos o Egito e a construção das pirâmides, e em meio ao encantamento pela grandiosidade e a importância daqueles povos, eu olhava as imagens passadas pelo professor e pensava naqueles milhares de operários que trabalharam nas construções egípcias e conversava como meus botões: “Os caras arrastavam aquelas pedras de toneladas no muque e ninguém sequer lembra o nome de um deles, só lembramos do Quéops, do Tutankhamon, Cleópatra e etc. Dos operários nada”.

Essa imagem simula o que provavelmente era a forma de transporte de pedras, que pesavam toneladas, para a construção das pirâmides. Dezenas de milhares de pessoas trabalharam nas suas construções.

Outro dia assistindo o filme Germinal tive a mesma sensação, de que por mais que o tempo passe, por mais que a sociedade evolua, ainda é preciso fazer algo para diminuir a grande diferença entre o capital e o trabalho. Quando vejo isso, penso nos comerciários, no pessoal que trabalha todos os dias da semana, inclusive domingos e feriados, e o salário que recebem em troca mal dá para pagar as próprias despesas com o trabalho, sim, porque ainda existem muitos trabalhadores que, se colocarem na ponta do lápis, o que gastam com transporte, alimentação e vestuário para trabalhar é quase o mesmo que recebem, não sobrando nada para fazerem algo além de trabalhar.


Marx, quando desenvolveu sua teoria, desejava que o trabalhador fosse valorizado, e que o poder sobre o capital fosse daquele que trabalhava para gerá-lo e não como acontecia e acontece até hoje, onde quem trabalha recebe a menor parte da riqueza produzida.


Muitas das pessoas que atacam o marxismo, dizem que os trabalhadores querem ganhar “demais” e que deste jeito não dá, muitas vezes passam a impressão de que os trabalhadores são preguiçosos, desqualificados e que não merecem salários melhores porque não “estudaram”, por exemplo. Hora, desde quando um trabalhador deve ser julgado pela escolaridade que tem? O cara acorda de madrugada, pega um ônibus lotado, gasta 2 ou 3 horas para chegar no trabalho, trabalha por 8 ou 10 horas seguidas, suporta mais um bocado de tempo para retornar para casa, repete isso todos os dias da semana, inclusive sábados, domingos e feriados, produz 200 refrigeradores no mês, ou vende 500 pares de calçados e na hora de receber o salário, o que recebe não dá para comprar sequer um refrigerador ou 2 pares de sapato, e a culpa é porque não estudou? Por favor! Qualquer tentativa de desqualificar o trabalho alheio não tem minha aprovação, e esse é um pensamento marxista, e não vejo motivo para me envergonhar dele.


Façamos uma reflexão sobre o que diz nossa constituição sobre o salário mínimo.  A constituição brasileira estabelece que o valor do salário mínimo seja “capaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”. Pois é, isso está em nossa carta magna, e a pergunta que fica: O salário mínimo do Brasil atende o que determina nossa constituição? Por que?


Sempre será assim, quem recebe acha pouco e quem paga acha muito e por isso existe a luta de classes. Alguns devem ter se perguntado o porque citei a “madrasta assassina” do menino Bernardo e sua amiga quando estou falando de Marxismo? Elas são apenas símbolos do comportamento de muitas pessoas ao longo do tempo, que são capazes de matar para não ter de dividir “suas riquezas”, a ganância humana não tem limites, e em todos os tempos muitos impérios caíram, muitas traições aconteceram, assassinatos foram cometidos em nome do poder e da riqueza, portanto, naturalmente, quem tem o poder sobre o capital, não irá dividi-lo assim de forma voluntária e generosa, a humanidade já provou que é capaz de coisas absurdas em nome da “riqueza”, portanto, só um rompimento com o modelo tradicional e a mudança da correlação de forças na sociedade é capaz de fazer uma distribuição mais justa do capital.

Todos os dias milhões de trabalhadores no mundo enfrentam longos deslocamentos e jornadas exaustiva de trabalho para ao final do mês receberem salários que não lhe proporcionam as condições mínimas de qualidade de vida. Estação Pinheiros do Metrô – São Paulo Foto: Dario Oliveira/Estadão Conteúdo

É preciso que se registre que Marx desenvolveu sua teoria no século XIX há mais de 100 anos e é preciso que isso seja levado em consideração, pois avaliar sua teoria com olhar de século XXI me parece incorrer em um anacronismo. Porém, também é fato, que Marx efetivamente se propôs a desenvolver um sistema que transferisse o poder sobre capital para o trabalhador, buscando corrigir as imensas desigualdades sociais geradas pelo capitalismo. Por onde andamos, para onde olhamos, vemos publicações e mais publicações, teses e mais teses nos “ensinando” a ficar ricos, a ganhar dinheiro, e quase nenhuma dizendo que devemos dividir melhor as riquezas, que devemos remunerar melhor nossos funcionários, que devemos oferecer condições mais dignas de sobrevivência aos nossos semelhantes.


Temos que pensar para além do marxismo, gerar novas experiências, buscar novos caminhos porém não podemos deixar de reconhecer que as teorias de Marx são um bom ponto de partida, pois mais do que a fórmula, há muitos méritos na intenção, no objetivo, e esses devem ser preservados.


Já podemos ver, principalmente nos países nórdicos, como Noruega, Suécia, Dinamarca, experiências bem sucedidas de distribuição equilibrada de riquezas, onde o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é alto, o que comprova que quanto melhor for a qualidade de vida do povo e dos trabalhadores, melhor é a sociedade, e que é possível se gerar riqueza com distribuição de renda.

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