Quando lemos o título dessa publicação a gente sente um peso grande e pensa o que será que fez ele fez para ser denominado assim?
Primeiro é preciso refletir sobre o significado da palavra assassino, denominação mais popular para homicida:
Assassino
substantivo masculino
1.indivíduo que comete homicídio; homicida.
2.FIGURADO
indivíduo que extermina (algo), causa perda ou ruína.
"a. das alegrias alheias"
3. adjetivo
que causa a morte de.
"arma a."
4.adjetivo
FIGURADO
que aniquila, causa terror, frustração, dor, desespero etc.
Agora leia a notícia abaixo:
São Paulo – O empresário Fernando Sastre de Andrade Filho, de 24 anos, sumiu após se envolver em um acidente, na madrugada deste domingo (31/3), depois de colidir seu carro de luxo, avaliado em mais de R$ 1 milhão, na traseira de outro veículo, cujo motorista morreu.
Fonte: Metrópole https://www.metropoles.com/sao-paulo/empresario-provoca-acidente-mata-um-e-abandona-porsche-de-r-1-milhao
Se a gente juntar as duas coisas, o significado da palavra assassino e o fato ocorrido, poderemos dizer que Fernando, jovem empresário de 24 anos, família de classe alta de São Paulo é um assassino?
Essa é a questão. Diariamente jovens, ainda no início de suas vidas, tornam-se responsáveis pela morte de alguém, seja de um estranho, como no caso de Fernando, ou de amigos (seu amigo, Marcus Vinicius, que estava no banco do carona foi gravemente ferido na colisão), namoradas (As últimas notícias informam que sua namorada estava junto na programação que fizeram antes, porém tentou evitar que ele conduzisse o veículo pois estava alterado devido ao consumo de bebidas e se negou a ir com ele), familiares, por ocasião da verdadeira carnificina que é o trânsito brasileiro.
Vamos analisar alguns fatos deste caso especial.
Fernando Sastre de Andrade Filho compareceu a delegacia para se apresentar após ter cometido crime de trânsito no dia 31/03/2024 (reprodução TV Globo)
A Mãe
A mãe de Fernando, provavelmente senhora “distinta” vai até o local e “convence” os policiais que levaria o filho até um hospital para tratar de um pequeno ferimento, e ao invés disto o ajudou a fugir do local e da realização de exames, praxe nestes casos.
Fico imaginado se fosse o contrário, o que pensaria a Sra. Daniela Cristina de Medeiros Andrade, de 45 anos, se alguém causasse a morte do seu filho e a mãe dessa pessoa viesse até o local e o ajudasse a fugir?
Pois essa é uma característica da nossa cultura, não pensamos no que seria ético e correto, pensamos apenas em “livrar” nossos entes queridos de qualquer responsabilização. Por que, esse papo de leis mais rígidas, prendo e arrebento e “bandido bom é bandido morto” não se aplica a quem amamos, apenas a quem odiamos.
Dona Daniela Cristina foi lá, provavelmente bem orientada e tratou de livrar o filho de um possível flagrante. Ficaria revoltada se fosse ao contrário, mas não é.
Quando depôs na delegacia, Daniela apresentou diversas justificativas para o fato de não ter levado o filho ao hospital, não ter atendido os telefonemas dos policiais e não ter feito o que deveria ser correto nestes casos, em uma clara tentativa de livrar o filho de ser responsabilizado por seu crime.
As Namoradas
Esse caso tem duas outras personagens: a namorada de Fernando Sastre de Andrade Filho e a namorada do amigo e passageiro do veículo, que acabou gravemente ferido, Marcus Vinícius Rocha.
A namorada de Marcus Vinícius Rocha, Juliana de Toledo Simões, de 22 anos, prestou informações à polícia, como os locais onde foram juntos na noite do crime. Relatou que ela, o namorado, Fernando Filho e a namorada dele foram jantar em um restaurante, onde todos teriam bebido. Depois, o grupo se divertiu em uma casa de poker, que funciona no modelo “open bar”, no Tatuapé, na zona leste da capital paulista. Ela relatou ainda que Fernando e a namorada discutiram antes de ele entrar no Porsche, porque o empresário estava “um pouco alterado” e a namorada não queria que ele dirigisse. O casal não chegou em acordo e Fernando Filho, que não queria que outra pessoa dirigisse o seu Porsche, entrou no veículo com o amigo Marcus, seu namorado. Juliana e a namorada de Fernando seguiram em outro carro.
No dia 09/04 foi a vez da namorada de Fernando prestar depoimento. Acompanhada dos mesmos advogados de Fernando, ela não confirmou as informações de Juliana, namorada de Marcus, e declarou que a discussão entre ela e Fernando aconteceu porque o namorado havia gastado muito dinheiro na casa de pôquer e negou que ele tenha ingerido bebida alcoólica antes da colisão.
Aqui estamos diante de um fato clássico inclusive previsto no CPP - Código de Processo Penal. O CPP que determina que as testemunhas devem fazer, “sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado”, porém a legislação prevê exceção aos familiares.
A não obrigatoriedade de se firmar o compromisso em dizer a “verdade”, concedida aos familiares, tem por base a ausência de imparcialidade do membro familiar, que tende a ser tendencioso em beneficiar aqueles com quem convivem e, também, porque um dilema moral recai sob os ombros de tal pessoa, que eventualmente pode prejudicar seu ente querido, sob pena de se assim não o fizer, incorrer no delito previsto no artigo 342 do Código Penal (Falso testemunho).
Neste caso vemos a namorada da “vítima” Marcus Vinícius, aparentemente sendo sincera e assumindo que houveram comportamentos inadequados que resultaram em crime e a namorada de Fernando, responsável pelo crime, negando o que foi relatado por ela. Em quem acreditar?
Neste caso, a polícia e a justiça tendem a desconsiderar as negativas da namorada de Fernando, pois, já era esperado que ela fosse seguir essa linha, ainda mais quando chegou acompanhada dos mesmos advogados do namorado. Pois, como comentei, estamos diante de um dilema ético, e nestes casos a tendência da maioria de nós é de “falsear” a verdade para nos proteger ou a quem nutrimos afeto, pois se contrário fosse, provavelmente a rigidez no depoimento seria outro.
A Polícia de São Paulo
Esse caso tem outro fator que nos chama a atenção: Em depoimento os policiais alegam que a mãe chegou no local e disse que levaria o filho ao hospital para tratar de um ferimento, e a polícia autorizou, se deslocando após até o hospital para realizar o teste do etilômetro e verificaram que ela não havia o levado para lá. Ao contrário, tratou de fugir com ele.
Pergunto: Algum policial minimamente capacitado liberaria o condutor de um veículo com vítimas, sem a realização dos procedimentos legais?
Se precisava de atendimento porque não seria atendido pela SAMU chamada para atender os feridos?
Em uma ocorrência com vítimas é o básico chamar socorro para os feridos, perícia para o óbito e realização de testes do etilômetro ou condução para exame de corpo delito para o condutor do veículo causador do sinistro.
Parece que os policiais que atenderam a ocorrência não sabiam dos procedimentos. Acreditam?
Essa situação me fez lembrar da morte Rafael Mascarenhas filho de Cissa Guimarães, atropelado em um túnel no Rio de Janeiro. Rafael de Souza Bussamra, motorista do carro que atropelou o músico Rafael Mascarenhas, e o pai do atropelador, Roberto Martins Bussamra, foram presos porque as investigações mostraram que pai e filho acertaram pagamento de propina a dois policiais militares para ocultar provas. Será que estamos diante de algo semelhante? Só a investigação poderá, ou não, nos dizer.
Esse caso demonstra com muita simbologia o que acontece diariamente em nossas ruas e avenidas. As pessoas conduzem seus veículos de forma imprudente e irresponsável amparados na certeza de que nada lhes acontecerá.
O sentimento de “imortalidade” e "impunidade" que predomina, sobretudo, nos homens, transforma o Brasil em um dos campeões de mortes no trânsito no mundo. Diariamente cerca de 100 pessoas morrem no trânsito em nosso país e outras 1000 ficam com sequelas permanentes.
O Brasil ocupa a terceira posição no ranking das mortes no trânsito, atrás apenas de Índia (1,428 bilhão de habitantes) e a China (1.425 bilhão de habitantes), respectivamente.
Outro fator que neste caso é muito significativo é a interpretação do senso comum do sinistro de trânsito como algo não doloso. Por isso hoje usamos o termo sinistro e não acidente para denominar as ocorrências de trânsito. O termo acidente tem caráter de acontecimento casual, fortuito, inesperado, porém, e nem todos os casos tem caráter fortuito.
Porém, não pode se dizer que conduzir um veículo em velocidade bem superior à permitida pela via, após ter ficado 2h30 em clube “open bar” antes de acidente seja um um gesto casual, fortuito. Nos dias de hoje, pessoas que conduzem veículos na forma que Fernando Sastre de Andrade Filho não podem dizer desconhecer os riscos de seu ato, portanto, são responsáveis por todo e qualquer dano causado por seu comportamento.
Alguém que saca uma “arma” e aponta ela em direção a alguém, não pode dizer que as consequências são fortuitas.
CNH Suspensa
Segundo a Polícia Civil de São Paulo Fernando Sastre havia recuperado sua CNH (Carteira Nacional de Habilitação) 12 dias antes de causar a morte do motorista de aplicativo Ornaldo da Silva Viana.
Fernando teve a CNH suspensa no dia 5 de outubro de 2023, passou por uma “reciclagem para infratores” entre 7 e 16 de novembro de 2023 e em 19 de março de 2024, recuperou a CNH e o direito de voltar a dirigir.
Então, o jovem com apenas 24 anos, que provavelmente foi habilitado aos 18 anos, por volta de 2018, em pouco tempo de habilitação já teve a CNH suspensa e apenas 12 dias após recuperá-la, dirige de forma irresponsável, mata uma pessoa e volta a ser impedido de dirigir pela justiça.
Infelizmente esse não é um fato isolado, milhares de jovens tem sua CNH suspensa nos primeiros anos de habilitação, assim como é comum que alguém que já teve sua CNH suspensa venha reincidir na suspensão após recuperá-la, o que nos faz questionar:
Quão eficiente são os cursos de “reciclagem” obrigatórios, para que o “condutor infrator” venha e ter um comportamento seguro no trânsito após frequentá-los?
Multas e punições severas são educativas?
Durante muitos anos assisti a Diza Gonzaga, Presidente da Fundação Thiago de Moraes Gonzaga - Vida Urgente, travar um embate quando os dirigentes de órgãos de trânsito declaravam que o “órgão mais sensível do corpo humano era o bolso”, como forma de defender a aplicação de pesadas multas para evitar sinistros de trânsito.
Diza, em contraponto, sempre declarava que, para ela, o “órgão mais sensível do corpo humano era o coração”, e só cativando e educando os condutores conseguiríamos efetivamente reduzir a carnificina do trânsito brasileiro.
Os números e a prática cotidiana mostram que apenas multas (Elas são importantes no processo educativo, não podem ser desconsideradas) não fazem um condutor mudar automaticamente seu comportamento, caso contrário, não reincidiriam após a primeira autuação e a violência do trânsito brasileiro já teria reduzido seus números há bastante tempo.
Dinheiro para pagar multa e a fiança (foi estipulada uma fiança de R$ 500 mil que já foi paga), não faltam a Fernando Sastre de Andrade Filho, pois isso seus pais lhe provêm, o que ele não tem, e seus pais, o estado e a sociedade não conseguiram lhe prover, é Educação e Respeito.
G1 Fez uma apresentação cronológica dos acontecimentos.
Dois pesos, duas medidas
Uma das grandes dificuldades da prevenção dos acidentes de trânsito serem escolhidas como prioridade nas políticas públicas é o senso comum de eles não são tão graves assim, isso se dá por uma característica clássica de nossa cultura: A Incoerência!
Quando eu faço a pergunta: O quê pensaria a Sra. Daniela Cristina de Medeiros Andrade, de 45 anos, se alguém causasse a morte do seu filho e a mãe dessa pessoa viesse até o local e o ajudasse a fugir? eu trago a essência da questão. Não tenho dúvidas que ela usaria todo o dinheiro que tem para conseguir que o causador da morte de seu filho fosse punido de forma exemplar, porém, como ela está do outro lado, ela está usando todo o dinheiro que tem para que seu filho saia impune no crime que cometeu.
O Comportamento dela é seguido pelo filho, que nega cometimento de crime, alegando que não bebeu e que só estava “um pouco” acima da velocidade da via; pela namorada, que tenta desmentir todas as outras testemunhas, inclusive o depoimento do próprio Marcus Vinicius, passageiro do veículo, que restou gravemente ferido e sua namorada, que estavam juntos com ela e Fernando no restaurante e na casa de pôquer; pelos policiais que tentam nos fazer acreditar que “é normal” liberar motoristas que causaram uma colisão grave, com vítimas, sem nenhum cuidado em garantir a realização dos procedimentos de praxe.
No Brasil as coisas funcionam mais ou menos assim: Diante de sinistros absurdos, onde motoristas alcoolizados matam pessoas inocentes, há um clamor público por punição, porém, quando são abordados em uma blitz após saírem de uma festa e terem tomado "só uma cervejinha" ficam revoltados com o poder público por estarem fiscalizando, provavelmente os impedindo de terminarem como o Fernando, matando alguém. A punição, as leis mais rígidas, e os comportamentos adequados sempre são para os outros, nunca para nós mesmos.
É preciso que façamos uma reflexão do quanto a impunidade é geradora da violência que vivemos, o quanto a nossa cumplicidade cotidiana com as pessoas que conduzem de forma agressiva e irresponsável, em alta velocidade, após terem ingerido bebidas alcoólicas, contribui para as milhares de mortes no trânsito brasileiro.
Enquanto tivermos "dois pesos e duas medidas" para o comportamento no trânsito essa carnificina continuará enlutando dezenas de milhares de famílias anualmente em nosso país. Enquanto o nosso posicionamento em relação aos crimes de trânsito depender de que lado estamos do ocorrido, anualmente, centenas de milhares de pessoas ficarão com sequelas permanentes. As estatísticas não reduzirão, a impunidade não reduzirá, e a possibilidade de sermos vítimas dessa tragédia só aumentará.
E vocês, o que pensam sobre esse caso?
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Serginho, há poucos dias um outro caso triste (como "n" outros neste país) foi de um motoqueiro que atropelou fatalmente uma mulher grávida enquanto dava "grau" na moto. Certamente com menor poder aquisitivo que o rapaz da notícia que você analisou, mas ainda assim beneficiado pela sistemática de impunidade no trânsito: pagou uma fiança de R$ 21.000,00 e está livre.
São tantas variáveis nestas situações (leis inócuas, cultura da impunidade, possíveis agentes corruptos, etc.) que fica difícil vislumbrar qualquer solução. Mas nos mantenhamos diligentes e críticos!
Uma abraço!
Parabéns amigo !
Concordo com toda sua narrativa e análise , realmente e infelizmente os valores estão sendo distorcidos .
Capaz que no nosso tempo faríamos algo errado e nossos pais passariam a mão por cima e nos ajudariam a fugir das nossas responsabilidades .
Abraço Serginho !
Parabéns amigo Serginho pelo protagonismo de sempre!! Com conhecimento de causa esbanjou conhecimento sobre um dos temas que mais aflige a população brasileira!
Primeiramente gostaria de parabenizar o Serginho. Por ele nos fazer levantar dos nossos lugares, fazer lembrar o quanto perdemos nossos valores sem ao menos brigar. O Mundo está em uma velocidade da criatividade, da diversidade ainda mal interpretada, o conhecimento, da tecnologia. Mas nada disso apaga o grandes índices de violência e a nitida distorção de valores. Que impera conforme o grau de amizade ou de safadeza que o ser humano quer esconder. E tu, Serginho, graças a Deus existe. Para pelo menos entre pessoas que consegue ver o quanto estamos indo para um caminho que talvez neste tempo. Não tenha volta! Triste, sarcarticos, abominável os papéis desta mãe, filho, policiais e Judiciário. Este é o medo! Várias instâncias qu…
Muito bom teu relato e reflexão, infelizmente nossa sociedade ainda vive "dois pesos duas medida", reflexo do tempo do coronelismo.