Não é difícil encontrar artigos, reportagens, estudos e experiências que abordam a redução da carga horária de trabalho. Muitos começam destacando o desejo das novas gerações por mais qualidade de vida e propósito, apresentando exemplos de empresas e profissionais que defendem essa abordagem. Recentemente, vi uma reportagem sobre o tema no Estadão, o título era muito sugestivo: Workaholic saiu de moda? Profissionais, incluindo chefes, querem mais tempo para viver a vida.
Diante da proliferação de publicações a respeito do tema, cheguei a me perguntar: Estamos diante de uma revolução? Será que o antigo desejo de valorização do trabalho e a redução da mais valia estava acontecendo de forma pacífica e natural?
Pessoalmente, sempre fui a favor da redução da carga horária de trabalho, muito embora sempre fui considerado workaholic. Acho desumano o quanto se precisa trabalhar para garantir seu sustento neste país, especialmente considerando os salários muito baixos que são pagos a grande maioria no país. Mesmo trabalhando muito, boa parte da população mal consegue sobreviver, aproveitar a vida, estão sempre "correndo atrás do sustento". Nesse contexto, sempre apoiei aumentos salariais e redução da carga horária, pois entendo que muitos workaholics o são por necessidade e não por opção.
Participei de várias lutas pelo "Sábado Inglês" (Aqui no Rio Grande do Sul foi uma luta do Sindicato dos Comerciários para que o comércio funcionasse até o meio dia de sábado reservando o sábado a tarde e o domingo para o descanso da categoria) e acredito que é um bom momento para reacender essa luta agora. No entanto, ao analisar as reportagens e experiências sobre redução da carga horária, notei uma lacuna: raramente vemos entrevistas com profissionais do comércio, que é um dos setores que mais emprega em nosso país. O mesmo ocorre com setores como indústria, transporte, segurança pública, saúde e entretenimento. Essas perspectivas são essenciais para uma discussão completa sobre o assunto.
Será que neste movimento de redução de carga horária e promoção de qualidade de vida os trabalhadores que nos atendem diariamente serão incluídos? (Imagem de pch.vector no Freepik)
Em minha vida profissional, sempre debati esse tema. Minha posição era a mesma: sou a favor da redução da carga horária, mas para todas as profissões. Sempre perguntei aos meus interlocutores se o seu desejo por uma jornada mais curta se estende também aos outros ou se era apenas para si mesmos?
Você conseguiria imaginar-se vivendo em um país onde as operações cessam pontualmente às 18h durante os dias úteis, ou essa perspectiva atende seu desejo de “qualidade de vida”, enquanto as opções de lazer como compras, bares e restaurantes permaneçam abertas após o expediente e nos finais de semana para lhe atender durante o seu período de descanso?
Essa abordagem equitativa de “qualidade de vida” também se estenderia aos trabalhadores do comércio, ou você prefere supermercados abertos aos domingos e feriados?
Essa é a questão central. Pessoalmente, aprecio a tranquilidade de passar meus fins de semana em casa, embora isso seja motivo de discordância constante com minha família (Durante muitos anos trabalhei finais de semana e feriados, hoje prefiro ficar em casa). No entanto, reconheço que viver sob essas circunstâncias acarretaria desafios significativos. Seria inviável encomendar uma pizza, adquirir um churrasco pronto (afinal, não sou hábil nessa arte) ou frequentar o supermercado, cinema e outros estabelecimentos durante os fins de semana. Além disso, sair às ruas sem acesso a transporte, segurança pública e serviços essenciais seria complicado e arriscado.
Ao expressar essa perspectiva, frequentemente me deparo com objeções. É notável que os defensores da redução da jornada de trabalho, do trabalho remoto e da qualidade de vida tendem a fazer ressalvas, condicionando tais benefícios a si e aos seus familiares. Afinal, de que adianta a disponibilidade de um familiar se os demais estão no trabalho? Isso ecoa minha própria experiência, em que minha família passou parte significativa da vida aproveitando momentos de lazer sem a minha presença, devido aos meus compromissos profissionais.
Há uma tendência preocupante de priorizar a própria qualidade de vida em detrimento do trabalho alheio. Muitos clamam por mais tempo livre enquanto outros trabalham, em vez de advogar por um mundo em que todos desfrutem de qualidade de vida equitativa. Essa mentalidade revela uma busca pelo conforto pessoal, em vez de um compromisso genuíno com o bem-estar coletivo.
Muitas vezes, as pessoas defendem a redução da carga horária pensando em seu próprio bem-estar, sem considerar o impacto na sociedade como um todo. É legítimo pensar em si mesmo, mas devemos lembrar que vivemos em comunidade. Se defendemos determinados comportamentos, devemos considerar como eles afetam a todos ao nosso redor.
Atualmente, é comum ver pessoas procurando empregos com carga horária reduzida e trabalho remoto, enquanto vagas presenciais, com trabalho aos finais de semana, só são preenchidas quando não há outras alternativas. Isso destaca a necessidade de adaptar o sistema para oferecer oportunidades que atendam a essas demandas, sem aumentar as disparidades salariais, pois, olhando para as profissões que defendem e experienciam a redução da jornada de trabalho, não estão os trabalhadores com os mais baixos salários, pois estes, além de ter de trabalhar na faixa de carga horária mais elevada, precisam fazer horas extras e “bicos” após o horário normal, para complementar a renda, pois o salário que recebem mal dá para garantir seu sustento. A verdadeira busca por qualidade de vida deve incluir todos os trabalhadores, sem exceção.
Essa desigualdade salarial é um dos aspectos cruciais que merecem ser destacados quando discutimos a redução da carga horária de trabalho. Enquanto alguns setores podem se adaptar mais facilmente a horários reduzidos e trabalho remoto, outros, como o comércio, enfrentam desafios significativos. A falta de representatividade desses profissionais nos debates sobre qualidade de vida e redução da jornada de trabalho ressalta uma lacuna importante.
É fundamental que essas discussões considerem as necessidades de todos os trabalhadores e as consequências para a sociedade como um todo. Afinal, a busca por uma vida mais equilibrada e satisfatória não pode ser alcançada à custa da precarização de determinados setores ou da ampliação das disparidades salariais. Recente estudo do IBGE aponta que, em 2023, houve crescimento no rendimento domiciliar per capita, porém, 1% da população do país com maior rendimento domiciliar continua tendo um rendimento médio equivalente a 39,2 vezes o rendimento dos 40% da população de menor renda, ou seja, a renda aumentou um pouco, mas a desigualdade permanece. O verdadeiro desafio está em encontrar soluções que promovam a qualidade de vida para todos, sem deixar ninguém para trás.
Será que o Workaholic saiu de moda, ou apenas se tornou algo característico de uma parcela da sociedade que não tem outra alternativa?
Esse é a primeira reflexão a partir de um conjunto de artigos e reportagens que tenho lido sobre o tema, pois ele está na ordem do dia da maioria dos jovens que ingressam no mercado de trabalho atualmente, e também das empresas, pois dele dependem o futuro econômico da sociedade capitalista que depende da força de trabalho para se sustentar.
O que você pensa sobre esse assunto?
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Serginho, excelente texto! Acho importante a diferenciação entre a compulsão por trabalhar mais e a necessidade de trabalhar mais. Penso que o workaholic se encaixe na primeira situação, quando há a compulsão por trabalhar mais sem necessariamente haver a necessidade. E isto vejo acontecendo por diversos motivos: fugir de outros problemas pessoais, necessidade de ser reconhecido profissionalmente, competição no ambiente corporativo, etc.
No segundo caso, e este sim vejo como um caso mais preocupante, é quando alguém precisa trabalhar mais sob o risco de não alcançar o mínimo para sua sobrevivência ou de sua família. Nestas circunstâncias, o trabalhador não tem a alternativa por reduzir sua carga de trabalho em busca de qualidade de vida. E esta situação é catalisada,…
Adorei a reflexão e compartilho da inquietação e dos questionamentos. Penso que está na hora de discutir abertamente o tema; não sei se e quando se chegará a uma conclusão/definição mais empática que de aos trabalhadores das atividades menos valorizadas um tratamento mais equanime em relação aos trabalhadores das atividades mais valorizadas, mas despertar para a discussão é fundamental. Beijão
Olá amigo Serginho, concordo plenamente que precisamos começar um debate sério sobre esse tema tão relevante, a redução da carga horária de trabalho sem acarretar diminuição nos salários é uma tendência no mundo civilizado.